Análise do VI Capítulo do livro:
Teologia Pastoral, Julio A. Ramos,
Madrid, 1995, pp. 101-122;
Parte I: Resumo do Capítulo
A Igreja nas suas diversificadas acções quanto ao espaço, ao tempo e às situações humanas têm uma origem, uma direcção e um destino comuns. Quer dizer, a Igreja na sua acção pastoral contínua no mundo a mediação sacramental de Cristo e procura levar a salvação oferecida por Jesus Cristo a toda a humanidade. É esta missão potenciada pelo Espírito que assegura a identidade da mesma Igreja. Neste sentido podemos dizer que os critérios da acção pastoral são critérios comuns a todas as acções da Igreja, para que sejam pastorais. Estes critérios são teológicos porque brotam da fé, da identidade eclesial fruto da revelação e do acontecimento central do mistério pascal de Jesus Cristo. “Estes critérios terão que estar presentes em todas as fases da metodologia e da teologia pastoral: na análise das situações eclesiais; na projecção de situações novas; na estratégia para passar de umas às outras” (p. 102).
I. Critérios que brotam da continuidade da missão de Cristo
1) Critério teândrico
A Igreja continua no mundo a missão de Cristo sem ser Cristo. Quer dizer, “a estrutura teândrica da encarnação de alguma maneira repete-se na estrutura eclesiológica” (p. 102) e a acção pastoral reveste-se de acção divina e humana como em Cristo se uniu a natureza humana e divina numa só pessoa. A acentuação de uma só perspectiva em relação a Cristo redundou nas heresias cristológicas e em relação à acção pastoral redunda em desvios da mesma acção pastoral. “A acentuação da acção divina na vida da Igreja deu origem ao quietismo pastoral […]; a acentuação da parte humana levou historicamente a um naturalismo pastoral que, prescindiu da autoria de Deus na história da salvação e em cada salvação pessoal, compreendeu a acção eclesial e a instituição como produto da iniciativa e dos interesses humanos” (p. 103). Precisamente contra estas concepções realça-se a missão eclesial como continuidade da missão de Cristo. Claro que acção humana condiciona positiva ou negativamente toda a acção da Igreja. Mas a oferta que Deus faz da salvação à humanidade exige a mediação humana como o mistério da encarnação exigiu a mediação de Jesus Cristo. Assim, a acção pastoral é o lugar ou meio de actuação de Deus na história. Isso exige ou pressupõe a fé; a confiança; a esperança; que Deus seja o protagonista; que seja encontro do ser humano e do mundo com Deus; que se confronte a acção pastoral com acção de Deus e com a revelação. “A oração, a celebração, a contemplação pertencem intrinsecamente à acção pastoral e descobrem na Igreja a presença e a acção últimas de Deus nela” (p. 104). A planificação pastoral e o consequente confronto com os planos de Deus pertence ao ser humano que é assistido e enviado pelo Espírito do Ressuscitado que em liberdade responde ao apelo de Deus.
2) Critério Sacramental
O Concílio Vaticano II definiu a Igreja como sacramento de Salvação (LG 1), em consequência a acção pastoral que realiza reveste-se de carácter sacramental. Esta sacramentalidade brota de Cristo pois a Igreja é no mundo continuação da mediação sacramental do seu corpo. A Igreja é Corpo de Cristo sob a força do Espírito Santo. Assim, a acção pastoral está ao serviço “da comunhão de Deus com os homens e dos homens entre si” (p. 105). Se isto não acontece pode reduzir-se a exterioridade que oculta a verdade fundamental. A Exterioridade da acção da Igreja está ao serviço da interioridade. A visibilidade da acção pastoral não pode perder-se num puro subjectivismo. “A instituição na Igreja é necessária, ainda que os níveis de instituição sejam distintos no seu ser e no seu significado” (p. 105). Dentro deste mesmo critério “deve ser abordado todo o tema do ministério e da apostolicidade” (p. 105). Daqui pode-se concluir da responsabilidade de conservação e transmissão da fé, da actualização sacramental do mistério pascal e da unidade da ou na Igreja bem como da necessidade, por ser sacramento, de uma estrutura visível. “Toda a estrutura e acção pastoral pelo seu carácter sacramental é significativa, isto é, faz referência a algo que está além do sensível” (p. 106). A acção pastoral caracteriza-se pela sua eficácia no meio do mundo porque significa e torna presente a salvação no meio do mundo. Assim, a Igreja não pode deixar a instituição e a visibilidade pois tornar-se-ia num espiritualismo desencarnado; não pode fazer valer a instituição pela instituição; não pode permanecer numa acção fechada sobre si mesma mas abrir-se ao mundo sendo motivo e fundamento de esperança.
3) Critério de Conversão
Vimos, anteriormente, que a Igreja continua no mundo a mediação sacramental de Jesus Cristo mas, muitas vezes, a mediação do Corpo de Cristo e a mediação do corpo eclesial diferem. No mistério da Encarnação Cristo torna-se na revelação mais perfeita de Deus, não podemos dizer o mesmo da palavra e da acção pastoral da Igreja, porque esta carrega em si o peso da pequenez, do pecado e da contingência humana. Por isso a Igreja na sua peregrinação reconhece os seus pecados e a constante necessidade de conversão para voltar aos fundamentos da sua acção. Não se trata de dizer que o pecado faz parte da essência da Igreja mas que ela é santa e pecadora e que o pecado reflecte a sua encarnação no mundo – a sua dimensão humana e histórica. Esta a afirmação não se repercute em todas as acções da Igreja pois as acções sacramentais são assistidas pelo espírito de Jesus Ressuscitado, o qual está presente e operante na mesma acção da Igreja. O problema reside quando se quer dar a toda a acção pastoral a autoria divina da mesma, quando se identifica toda a postura contra a Igreja como postura contra Deus ou quando fazemos da Igreja a encarnação permanente da divindade – isto é triunfalismo. Por outro lado, em várias situações, identificou-se a palavra com o portador da palavra e não se ouviu a voz de Deus. Para colmatar estas lacunas a Igreja terá que reconhecer a distância que a separa de Jesus e permanentemente estar numa atitude de conversão. “A conversão continua, a purificação constante como exigência do seu mesmo ser, converte-se assim em critério para a sua acção pastoral. As reformas na Igreja são necessárias, mas realizadas do seu interior” (p. 109).
II. Critérios que brotam do caminho para o Reino
1) Critério de historicidade
O facto de vermos a Igreja como continuidade da obra de Cristo recorda-nos a história como elemento fundamental de toda a sua acção. Não se trata de uma história de carácter arqueológico mas de uma história aberta ao futuro porque a Igreja transporta em si mesma a dimensão escatológica da sua existência – caminho para a plenitude já presente mas ainda não totalmente manifestada. A Igreja caminha para a consumação escatológica, daí a diferença e a tensão entre a Igreja e o Reino que faz com que a Igreja não se instale num momento da história sentindo-se como o Reino definitivo. Por isso, tem que ser critica consigo própria e com as suas acções. A Igreja – Povo de Deus – reconhece a presença de Deus e actua na história humana criando as acções e as estruturas necessárias para a evangelização. Muitas acções e muitas estruturas mantêm-se e muitas outras desaparecem porque já não respondem às necessidades históricas da missão. A Igreja tem que procurar dar um acompanhamento pessoal que respeite o crescimento de cada pessoa. “A Igreja não pode prescindir da história pessoal de cada homem e construir ao seu lado uma história de salvação que ele ignora” (p. 110). A pastoral não pode ser abstracta mas tem que ser de acompanhamento pessoal encaminhando para a comunidade e dentro de uma pastoral comunitária. O progresso pastoral patente na tensão entre a Igreja e o Reino exigem objectivos a longo prazo e não acções para responder a imperativos pontuais e que se esgotam na sua realização. Daqui deriva a necessidade de uma viva dimensão profética que abra caminhos e rasgue horizontes à acção do Espírito na Igreja.
2) Critério de abertura aos sinais dos tempos
“Os valores do Reino não se encerram somente dentro dos limites visíveis da Igreja, mas transcendem-na” (p. 111). O Espírito suscita valores do Reino no meio da humanidade e no mundo sem que a Igreja tenha exclusividade sobre eles. A Igreja tem que estar atenta e aberta aos sinais dos tempos e isso implica: uma leitura crente da realidade; uma confrontação da realidade com o Evangelho para discernir se é sinal do Reino para o potenciar ou combater; uma descoberta das interrogações mais profundas e quais as respostas esperadas para o presente e para o futuro; descobrir se Deus chama para uma nova realidade de actuação; uma atitude de abertura que penetre na vida do ser humano; uma valorização do mundo como presença ou realização incipiente do Reino. Perante estas perspectivas apresentadas percebemos que não nos podemos deter apenas na perspectiva teológica das situações ou apenas no discernimento teológico mas temos que ter uma postura crítica das ideias, ideologias e acções da humanidade; a Igreja não se pode alhear do ser humano como nos diz o Concílio Vaticano II (GS 1). Em todas as circunstâncias a Igreja é desafiada a apresentar uma doutrina iluminadora do sentido da realidade e das opções segundo as exigências do momento histórico na fidelidade à missão, claro que isto só é possível se houver um compromisso concreto com a realidade.
3) Critério de Universalidade
“A universalidade da salvação é imperativo e critério para a acção de uma Igreja que, graças ao Espírito do Ressuscitado, interioriza, actualiza e universaliza o mistério de Cristo como oferta para todos os homens” (p. 113). O acolhimento por parte de todo o ser humano da salvação é missão da Igreja, para isso tem que encarnar todas as realidades humanas, culturais e sociais para as impregnar do Espírito de Jesus Cristo e conduzi-las à comunidade eclesial. Para esta missão que é qualitativa e quantitativa todos os membros da Igreja são agentes da sua acção. Claro que o universalismo da missão não pode redundar num universalismo de falta de critérios e de falta de crítica na evangelização originando crentes de tipo ‘camaleão’ que não mudam comportamentos nem aderem de coração a Cristo ressuscitado; ou, por outro lado, no fechamento em grupos e métodos que não permitem a entrada de ninguém, a nível de grupos e de pessoas. A Igreja é em si mesma universal, missionária, colegial e corresponsável e em todas estas perspectivas não pode esquecer a sua missão que é continuar no mundo a missão de Cristo – dar a conhecer e amar o Reino de Deus. Aqui desempenha sinal de vitalidade e de identidade uma opção clara pelos pobres (tesouro da Igreja).
III) Critérios que brotam da presença e da missão no mundo
1) Critério do diálogo
A missão da Igreja não se esgota nos meios intraeclesiais pois tem como destinatário da acção o mundo. A história da salvação mostra-nos um Deus que dialoga com o ser humana e essa deve ser também a atitude da Igreja – a Igreja ao serviço da revelação. “A acção pastoral entende-se, assim, como palavra dirigida ao mundo que actualiza a Palavra feita carne para nossa salvação” (p. 115). Ter a revelação de Deus como paradigma da pastoral foi a proposta do Papa Paulo VI na Encíclica Eclesiam Suam da qual se retiram as ideias seguintes: a Palavra da revelação nasce da iniciativa divina; a Palavra da revelação surgiu do amor e a Igreja pode ter uma palavra para o mundo se o amar; a Palavra da revelação é uma proposta a todos (não cabem aqui fundamentalismos ou fanatismos). A identidade da acção eclesial é referencial a Cristo e ao Reino, quando se perde esta referência identificadora a Igreja cai num monólogo e deixa de ter novas e diferentes propostas de acção. “Dialogar não é só lançar a própria mensagem, mas receber do outro para assumi-lo e critica-lo” (p. 117).
2) Critério da Encarnação
Os sinais que levam ao mundo a transcendência têm consigo uma dimensão cultural que não pode ser esquecida na acção pastoral. “A encarnação de Jesus Cristo e a sua prolongação pneumática no mistério da Igreja implicam um aspecto cultural que ultimamente temos denominado de inculturação” (p. 117). Na encarnação Jesus assume uma cultura concreta nas suas diferentes dimensões: linguagem, tradições, modos de vida, etc. Precisamente no Pentecostes como antítese de Babel compreendemos que em Cristo as diferentes culturas se podem compreender. Assim, a pastoral também é um fazer cultura, “o Evangelho é anunciado e actua na acção pastoral da Igreja graças à mediação da cultura de cada povo e, por sua vez, a sua actuação cria cultura, modos de vida que são depois âmbitos da evangelização” (p. 118). No entanto, o Evangelho não se pode reduzir a uma cultura ou a um povo porque não se identifica com nenhum em particular para se poder identificar com todos, melhor, “purifica e eleva as distintas culturas” (p. 118). “Um Evangelho não encarnada em moldes culturais é irrelevante e um Evangelho que não produz cultura é ineficaz e abstracto” (p. 119).
3) Critério de missão
A missão de Jesus é continuada pela Igreja – povo de baptizados – porque no Baptismo todos recebemos a missão de Cristo sob acção do Espírito Santo. “Esta missão é a evangelização de todos os homens, base da identidade de toda a acção pastoral” (p. 120). Sempre que se perde a identidade degrada-se a missão, quando a Igreja perde unidade perde identidade e caminha para a autodestruição. Não se trata de um uniformismo que também degrada a missão tornando-a abstracta (sem ter em conta os distintos agentes e distintos destinatários) mas trata-se de unidade no essencial – a missão. Trata-se de partir da dinâmica da missão para acolher “uma pastoral de conjunto que conjugue perfeitamente a unidade em torno da missão” (p. 121) e que não aceite que a Igreja ou que alguém esgote a missão de Jesus. “Toda a acção pastoral da Igreja, que participa da sua missão, tem como fim a comunhão” (p.121).
Parte II: análise crítica
O presente capítulo que estudamos está redigido de forma clara, concisa e fundamentada o que nem sempre acontece nestes âmbitos. Parece-me um texto fundamental que se fosse mais reflectido e conhecido poderia ajudar a eliminar muitos erros pastorais que se praticam em nome de vontades pessoais esquecendo totalmente a missão. Penso que o fundamental é educar e fazer uma pastoral de comunhão para que depois paulatinamente se possam introduzir todos os outros aspectos.
Sem comentários:
Enviar um comentário