quarta-feira, 30 de setembro de 2009

No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

No teu deserto é a última obra publicada por Miguel Sousa Tavares. O filho de Sophia de Mello Breyner Andresen conduz-nos, numa narrativa simples e táctil, até ao deserto; o deserto como espaço físico e psicológico. Este livro enquadra-se no estilo de literatura light, muito em voga, mas, ao mesmo tempo, para um leitor atento, pode abrir perspectivas de reflexão muito interessantes. O quase romance de Miguel Sousa Tavares é a narrativa de uma viajem às entranhas do deserto do Sahara. O autor pega numa fotografia, há muito tirada, para fazer uma ponte entre a memória do presente e a realidade do passado. A fotografia catapulta o leitor para a viagem ao deserto que começou em Lisboa com a arrumação no jipe (UMM) de tudo o que era necessário para a aventura. Cláudia, a companheira de viagem do autor pelo deserto, tinha um sorriso onde “cabia toda a ilusão do mundo”. A ilusão de entrar no deserto torna-se uma aventura fantástica e surreal. O autor aproveita para dar umas pinceladas, aqui e acolá, sobre a vida, a cozinha, os cheiros, a política, sobre qualquer coisa, até chegar ou para chegar ao deserto; exagera na descrição da entrada no ferryboat e na obtenção de autorização para filmagem no Ministério da Informação em Argel. Em pleno deserto surgem os grandes ‘arrebatamentos’ de sentido: “A terra pertence ao dono, mas a paisagem pertence a quem a sabe olhar” (filosofia improvisada a metro!). E assim embevecidos adentram-se do deserto e de si mesmos. Miguel Sousa Tavares viaja pelo deserto como repórter onde fotografa, filma e escreve procurando apreender o máximo de informação. Cláudia sem nenhuma função (“a minha tarefa era deixar-me conduzir por ti, entre a lucidez e o sonho”), a não ser ir ao deserto, ajuda-o no trabalho e na percepção das realidades mais simples como o contemplar das estrelas, qual manto de luz que a todos cobre! Lado a lado no UMM descobre que “a coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio”. E no silêncio surgem as palavras. “Escrever é usar as palavras que se guardam: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer”. No silêncio encontramo-nos e conhecemo-nos tal como somos. Hoje temos medo do silêncio e então usamos todas as formas para preencher a nossa vida de ruídos: telefonemas; SMS; mails; Hi5; facebook, e demais redes sociais. No virtual pensamos que temos o mundo a nossos pés e, no entanto, não aguentamos um dia de solidão. O deserto e o silêncio incomodam porque exigem mudanças. Muitas vezes temos que fazer deserto para no silêncio descobrimos quem somos. O silêncio fala a quem o sabe escutar! (in Zebrisco do Alto Mouro, p.5 *Ano III*Nº 8* Agosto de 2009)

1 comentário:

  1. Adorei o comentário. No sábado, estava na casa de amigos queridos, no coração da mantiqueira mineira, quando Virgínia (uma das amigas) falou-me sobre a obra de Tavares. Tenho duas vezes obrigação de ler, agora!

    Parabéns.

    Sou fã de Sophia e utilizo alguns versos dela como epígrafe em meu livro (romance) que será publicado em abril desse ano, intitulado "Os Inocêncios"

    Vânia Coelho

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