quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O estudo de caso na investigação em Tecnologia Educativa em Portugal


Análise do artigo de
Clara Pereira Coutinho & José Henrique Chaves
Revista Portuguesa de Educação, 2002, 15 (1), pp. 221-243


Parte I: resumo do artigo

O estudo de caso como método de pesquisa tem vinda paulatinamente a ganhar o seu espaço na investigação, isto deve-se à “desvalorização da investigação desenvolvida sob o paradigma positivista” (p. 221). Na investigação das Ciências da Educação procuraram-se novas abordagens metodológicas que facilitassem a construção do “conhecimento e produção de significado por parte de quem aprende” (p. 222) em vez de se focarem apenas os meios como transmissores de informação. Naturalmente que neste campo os métodos quantitativos podem ter uma função importante de complementaridade aos métodos qualitativos. O estudo de caso pode englobar todas estas potencialidades, no entanto, não é fácil de pôr em prática e muitos estudos feitos segundo este método foram mal concebidos e mal conseguidos o que leva ao descrédito do método. Daí a pertinência do presente artigo.

O que é um estudo de caso?

A característica que melhor define esta abordagem metodológica é o estudo intensivo e restrito a um ‘caso’. Tudo pode ser ou originar um estudo de ‘caso’: uma pessoa, um grupo, uma organização, uma decisão, um incidente, etc. O ‘caso’ examina-se “em profundidade, no seu contexto natural, reconhecendo-se a sua complexidade e recorrendo-se para isso a todos os métodos que se revelem apropriados” (p. 223). Há autores que por estas características holísticas do método preferem a “expressão estratégica à de metodologia de investigação” (p. 223) entendendo que não se trata de uma metodologia específica mas apenas de uma forma de organizar dados de estudo específico e único. Por estas razões poucos autores procuram uma definição unívoca e ficam-se por ideias abrangentes, as quais podemos sintetizar:
- O caso é ‘um sistema limitado’, por isso, a primeira função do investigador é definir as fronteiras de forma clara e concisa do ‘seu’ caso;
- É um caso sobre ‘algo’ que se tem que identificar para que o foco e a direcção da investigação sejam claros;
- Preservar o carácter ‘único, diferente e complexo do caso’:
- A investigação decorre em ambiente natural;
- O investigador recorre a fontes múltiplas de dados e a métodos diversificados de recolha;
“O estudo de caso é uma investigação empírica que se baseia no raciocínio indutivo que depende fortemente do trabalho de campo que não é experimental que se baseia em fontes de dados múltiplas e variadas” (p. 225). A marca predominantemente descritiva e a implicação pessoal do investigador no estudo levam a que associem o ‘estudo de caso’ à investigação qualitativa o que é uma perspectiva errada porque o ‘estudo de caso’ pode ser usado noutros paradigmas de investigação. Por exemplo no campo da investigação educativa em geral existem estudos de caso que “combinam com toda a legitimidade métodos quantitativos e qualitativos” (p. 225).

Objectivos

“O estudo de caso pode ser conduzido para um dos três propósitos básicos: explorar, descrever ou ainda explicar” (p. 225) aos quais se pode juntar um quarto: avaliar e/ou transformar e assim temos presentes no estudo de caso os objectivos gerais da investigação educativa.

Tipologia

Com tantos ‘casos’ e objectivos a perseguir podemos perspectivar a diversidade tipológica de estudos de caso. “A primeira proposta a que todos os autores aludem é a divisão básica entre estudo de caso único e estudo de caso múltiplo ou comparativo ou multicasos” (p. 226). Segundo Stake existem três tipos: o estudo de caso intrínseco, o instrumental e o colectivo.

Constituição da amostra ou selecção do ‘caso’

No estudo de caso a selecção da amostragem é a sua “essência metodológica” (p.228) no entanto a investigação não se baseia na amostragem nem se estudo um caso para perceber outros mas para perceber o caso estudado. Assim, a escolha da amostragem baseia-se em critérios pragmáticos e teóricos buscando as variações máximas do mesmo. Seguem-se seis modalidades de amostragem intencional que podem dar origem a um estudo de caso:
1)      Amostras extremas (casos únicos que proporcionem dados muito interessantes);
2)      Amostras de casos típicos ou especiais;
3)      Amostras de variação máxima, adaptadas a diferentes condições;
4)      Amostras de casos críticos;
5)      Amostras de casos sensíveis ou politicamente importantes;
6)      Amostras de conveniência;
Nas amostras há características identificadoras que as demarcam das amostras probabilísticas típicas das abordagens quantitativas: processo de amostragem dinâmico e sequencial que permite alterações no evoluir do estudo; ajuste automático da amostra; o processo de amostragem só está concluído quando se esgotar a informação que pode ser obtida, finda com a saturação da amostra.

Situações de investigação a que se aplica

Quando não é possível manipular variáveis para determinar a relação causal ou quando a realidade é tão complexo que não permite identificar as vaiáveis eventualmente relevantes ou ainda quando é a única abordagem possível numa situação real e concreta. Com esta metodologia aprendemos que o caso é único e que o seu estudo profundo tem alguma coisa para revelar; só um estudo profundo pode apresentar aspectos importantes numa investigação complexa ou em novas situações de investigação; em complementaridade com outras metodologias pode dar contributos importantes que passariam despercebido num estudo de tipo experimental. Reconhecer as mais-valias implica também aceitar as críticas. Quando o estudo de caso é mau conduzido, por exemplo, extrapolação de um caso para dados universais ou então quando é puramente descritivo e não tem em conta outras abordagens ao mesmo assunto. “Questiona-se a credibilidade das conclusões a que conduz. A credibilidade é um conceito genérico […] que engloba em si os três critérios ‘clássicos’ de aferição da qualidade de um qualquer trabalho de investigação: a validade externa ou possibilidade de generalização dos resultados, a fiabilidade (replicabilidade) do processo de recolha de análise de dados, e para o estudo de caso de tipo explicativo, coloca-se ainda a questão do rigor ou validade interna das conclusões a que conduz” (p. 231).

O problema da validade externa ou generalização

Trata-se de uma falsa questão porque em certos estudos de caso a questão nem se coloca pois o estudo justifica-se pela sua unicidade, pelo carácter externo e ainda por ser irrepetível. Ou o caso pode ser de carácter negativo, “estudar o atípico pode servir para testar o típico” (p. 232). Esta problemática pode resumir-se na seguinte expressão: “tudo depende de saber se queremos debruçar-nos sobre o que é exclusivo ou o que é comum a outros casos” (p. 233).

A questão da fiabilidade

A questão da fiabilidade está intimamente relacionada com a replicabilidade das conclusões a que chega (possibilidade de diferentes investigadores produzirem os mesmos resultados). No estudo de caso isto não se pode aplicar porque um ‘caso’ não se repete. Para ultrapassar esta situação o investigador tem que descrever de forma pormenorizada todos os passos do processo de investigação.

A questão do rigor ou validade interna

Aqui trata-se do campo dos resultados e a questão é saber se a investigação conduziu àqueles resultados ou se eles são a imaginação do investigador ou as conclusões a que ele queria chegar. Para resolver este problema terá que usar, mais uma vez, a descrição pormenorizada e depois tem que fazer os chamados ‘protocolos de triangulação’. Triangulação das fontes e dados, diferentes fontes; triangulação do investigador em que observadores procuram detectar desvios derivados pelo investigador; triangulação da teoria; triangulação metodológica.

Em síntese

“Insistir na necessidade de se definir critérios para aferir da credibilidade dos estudos de caso – critérios esses que se aplicam não apenas a estudos de caso mas a toda a investigação qualitativa – não significa que esses critérios possam ser encarados de forma prescritiva como acontece nos estudos quantitativos” (p. 235). Trata-se de ser muito cuidadoso para ultrapassar as críticas inerentes ao método. Por outro lado apostar na descrição compacta daquilo que é o foco da questão e aprender a filtrar o essencial.
O que um relatório de estudo de caso deve incluir:
·         Definição clara do ‘caso’ e delimitação de fronteiras;
·         Descrição pormenorizada do contexto em que o ‘caso’ se insere;
·         Justificação da pertinência do estudo e os objectivos gerais;
·         Identificação da estratégia geral e as razões das opções todas: caso ‘único’ ou ‘múltiplo’;
·         Definição de unidade ou unidades de análise;
·         Fundamentação de pressupostos teóricos;
·          Descrição clara de como os dados foram recolhidos, de quem e quando
·         Descrição pormenorizada dos dados;
·         Justificação da lógica das inferências;
·         Definição dos critérios que aferirão a qualidade do estudo;

O estudo de caso na investigação nacional em TE

Os autores fizeram um levantamento de produção científica portuguesa na área da Tecnologia Educativa entre 1990-2000. Verificaram a reduzida quantidade (7 em 112) de trabalhos que usaram como metodologia o estudo de caso. Esses estudos são estudos de caso múltiplo, nenhum é intrínseco, um caso excepcional que justifique o seu estudo, são referidas fontes múltiplas e têm quadros teóricos de enquadramento.

Parte II - análise crítica

A leitura deste artigo permitiu-nos perceber a necessidade do mesmo para clarificar o que é o ‘estudo de caso’ como método ou melhor como perspectiva e organização para o estudo de um ‘caso’ usando fontes múltiplas e métodos diversos. O estudo de caso permite um conhecimento profundo do ‘caso em estudo’ se o processo for bem conduzido e bem descrito nos seus diferentes âmbitos de produção. Parece-me que o artigo está bem fundamentado e nota-se o esforço de síntese, de sistematização e de clarificação.
Numa perspectiva pastoral o ‘estudo de caso’ pode ter muita pertinência como ferramenta de conhecimento ou de aferição da realidade e a subsequente resposta pastoral. Sem este cariz científico é que se faz em muitas situações, nomeadamente no campo da espiritualidade.

MITP
César Maciel

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